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Palestinos lutando contra palestinos não é exatamente uma novidade, embora ainda tenha capacidade de surpreender quem vê tudo preto e branco nas camadas de complexidades do Oriente Médio. Uma nova fase dessa disputa está sendo travada, na ponta do fuzil, entre a Autoridade Palestina, que tem um controle semiautônomo sobre a Cisjordânia, e grupos armados que prestam fidelidade ao Hamas ou à Jihad Islâmica.
E os termos são virulentos, tanto em atos – a disputa a bala envolve o campo de Jenin – quanto em palavras. “Não vamos permitir que o Hamas, que sacrificou o povo palestino pelo Irã e causou a destruição da Faixa de Gaza, repita seus atos na Cisjordânia”, disse o veteraníssimo líder da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, do alto de seus 89 anos.
Acusar o Hamas de ser o responsável, em última instância, pelos extremos de destruição e sofrimento em Gaza é de deixar qualquer militante contra Israel pálido de espanto, pois é exatamente o argumento usado pelos israelenses.
A briga é antiga e tem resistido às encenações de “reconciliação” dos últimos tempos. Em 2007, o Hamas expulsou a Fatah, que é o braço armado da Autoridade Palestina, de Gaza, numa miniguerra civil que deixou 600 mortos. Na fase atual, a agressividade do Hamas, incluindo o brutal ataque contra localidades da fronteira em 7 de outubro de 2023, desencadeando todos os trágicos acontecimentos que continuam a se desdobrar, funciona como um fermento para a popularidade do grupo islâmico em áreas sob o controle de Abbas, acusado de ceder demais a Israel – sem falar na roubalheira.
DUAS OPÇÕES
Segundo analistas, Abbas está querendo mostrar serviço: tem consciência de que Donald Trump assume dentro de apenas seis dias e quer limpar sua ficha reprimindo os grupos islamistas mais fortes. Durante o primeiro governo Trump, ele seguiu o padrão habitual: fazer discursos conciliadores em inglês e incitar a violência contra Israel em árabe. Os israelenses mostraram as provas para Trump, que ficou furioso e passou a boicotar o veterano líder palestino.
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Abbas é um especialista em fazer isso e acha que se mostrar “alguns terroristas” presos pode dobrar Trump.
O pano de fundo é de altíssima complicação: quem vai assumir o governo, seja sob quais forem as circunstâncias, em Gaza. A iminência de um acordo sobre a suspensão das operações militares de Israel, em troca da libertação de pelo menos uma parte dos reféns que continuam vivos – cerca de trinta na primeira fase – torna a questão mais premente.
O astuto Abbas, com toda sua experiência, sabe muito bem que só existem duas opções: ou o Hamas continua a mandar no território, mesmo tendo sofrido graves perdas, ou o resto do mundo obriga Israel a engolir a alternativa de algum tipo de administração envolvendo a Autoridade Palestina – sob policiamento, é claro. Sem isso, seria uma matança mútua.
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MORTE LENTA
Benjamin Netanyahu, assim como toda a direita israelense, tem pavor dessa hipótese – e é aí que entrariam o poder de convencimento de Trump, com ofertas como um amplo acordo com a Arábia Saudita que mudaria o paradigma atual e daria a Israel uma possibilidade real de não ter que ir à guerra a cada poucos anos
São múltiplas as camadas de dificuldade a serem transpostas até que se chegue a algum tipo de “acordão”. Mas a alternativa é não ter acordo nenhum, com Israel perdendo o impacto das vitórias militares, sofrendo o estrago de imagem que a guerra em Gaza provoca e continuando com os cativos presos nos túneis, em terrível morte lenta. Para os palestinos, a manutenção do conflito é garantia de uma vida mais cruel ainda.
Abbas sabe que Trump quer estrear bem e nada teria mais impacto do que um grande acordo para o Oriente Médio. Joga as cartas que tem, incluindo levantar armas contra os “irmãos” e baixar o sarrafo no Irã.
Nas circunstâncias atuais, não existem alternativas muito melhores para nenhum dos envolvidos.
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