terça-feira , 3 dezembro 2024
    Economia

    Falta de pacote fiscal mantém “mau humor” no mercado, dizem economistas

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    A política fiscal do governo federal ganhou peso extra no radar dos mercados há cerca de um mês, com a expectativa do anúncio de um pacote para ajustar as contas públicas e garantir que o arcabouço fiscal formulado pela própria equipe econômica tenha sustentabilidade.

    Após duas semanas sem definições, analistas ouvidos pela CNN apontam que o “mau humor” do mercado em ficar sem repostas deve voltar a se manifestar na abertura dos negócios nesta segunda (11), com mais pressão sobre a bolsa e o dólar.

    Mesmo assim, dizem os economistas, o benefício da dúvida com os esforços do governo — sobretudo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad —, ainda está na mesa.

    Os últimos dias foram marcados por reuniões entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), equipe econômica — que além de Haddad, é composta pelas ministras Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) e Esther Dweck (Gestão e da Inovação em Serviços Públicos) — e ministros de pastas que podem ser afetadas pelas medidas.

    Apesar da sequência de encontros, a sexta-feira (8) encerrou sem anúncio do Planalto ou previsão da retomada dos debates.

    “O mercado sempre está disposto a dar um benefício da dúvida. Afinal de contas, o objetivo é sempre ganhar algum dinheiro. Mas se não houver sinal claro na segunda-feira sobre o que vai ser o pacote, o comportamento do mercado vai ser negativo”, pontua José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos.

    Incertezas e volatilidades

    De um lado, aponta-se que o mercado tem sido mais compreensivo ao notar os esforços dos últimos dias e o fato de que o presidente Lula adotou uma postura mais aberta à revisão fiscal, segundo Luciano Costa, economista-chefe da Monte Bravo.

    Porém, ainda paira um clima ameno no ambiente.

    “O câmbio vai continuar respondendo à ausência de notícias. A própria bolsa deve ficar pesada, uma vez que a percepção de risco continua elevada. A curva de juros talvez suba, e isso não ajuda nem na tomada de riscos e nem na parte da Bolsa, que está mais ligada ao ciclo doméstico e aos juros”, diz Costa.

    “Ainda vai ser um dia de realização, a não ser que o governo tome uma decisão e anuncie algo logo no início do dia, revertendo a percepção. Se não tiver sinais ao longo da semana, vai ser ruim para os ativos de risco.”

    Daniel Teles, economista da Valor Investimentos, concorda que anúncios mais satisfatórios devem dar espaço para um movimento positivo dos indicadores.

    “O que a gente se frustrou mais foi pela falta de respostas”, afirma o economista da Valor Investimentos.

    Para alguns agentes do mercado, a questão não está na falta de anúncio do pacote, mas para a imprevisibilidade sobre data e andamento.

    “Estamos naquele famoso ‘confia e confere’. Confio no que o governo diz, mas confiro o que está acontecendo. O problema, é que não está acontecendo nada concreto”, diz Emerson Junior, head de câmbio na Convexa Investimentos.

    “Para o investidor, é melhor ter um cenário ruim e previsível do que um cenário bom, mas imprevisível.”

    Para Marcus Pestana, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), o que importa, é a consistência da política econômica.

    “Há uma série de interesses em jogo. Há preocupações sinceras, mas há também muita especulação e muitos ganhos. O mercado é sempre excitado e curtoprazista”, afirma o economista do IFI.

    Timing político x timing do mercado

    Fato é que o tempo do mercado e das negociações políticas é diferente, como levantado por Pestana, do IFI.

    “O Brasil há décadas é um copo meio cheio, meio vazio. Há notícias boas com o PIB maior que as previsões, o fluxo de investimentos diretos, o desemprego baixo. Mas há notícias preocupantes como a possibilidade de não cumprir em 2024 nem a meta fiscal, nem a de inflação, a insustentabilidade fiscal, a inflação se assanhando e o câmbio com real desvalorizadíssimo”, diz o diretor do IFI.

    “Não estamos nem no paraíso como alguns adeptos do governo querem passar, nem a beira do abismo a la Argentina e Venezuela, como fazem crer alguns alarmistas da Faria Lima. O governo tem seu tempo de decisão, mas a demora tem um custo no câmbio e nos juros”, conclui.

    E é aqui onde reina o problema, segundo Tatiana Pinheiro, economista-chefe da Galápagos Capital.

    “Acredito que o mercado sabe que o timing político é diferente. Mas é fato que o governo sinalizou em outubro que um anúncio relativo a corte de gastos aconteceria após as eleições, e já se passaram duas semanas das eleições.”

    Se o governo demorar ainda mais, os prêmios de risco no mercado vão se elevar e refletir cada vez mais as incertezas em perdas, explica Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master.

    “É certo que o timing da política é mais lento, mas não pode demorar demais, pois vai trazer custos importantes, que podem permanecer e ter consequências mais concretas. O câmbio desvalorizado gera mais inflação e dificulta a vida do Banco Central, por exemplo”, pondera Gala.

    Nesse sentido, José Márcio Camargo crítica a postura de Lula ao buscar cada ministro invés de tomar logo a decisão.

    “Ele e a equipe econômica deveriam montar uma política fiscal minimamente razoável. É uma decisão muito séria para se ficar negociando com os ministros”, afirma o economista-chefe da Genial.

    Porém, Gala defende que a demora mostra que o governo busca desenhar um projeto mais perene e estrutural, de modo que “se fosse para soltar algo mais simples e superficial, já teria sido feito”.

    Qualidade do pacote

    Tatiana Pinheiro elenca entre as medidas que devem estar no pacote a mudança de regras de acesso para seguro-desemprego, abono salarial e seguro saúde e aumento da participação do Fundeb para o piso de gastos com educação, com o objetivo de gerar uma economia em torno de R$ 30 bilhões.

    Mas o que tanto ela quanto outros economistas ouvidos pela CNN afirmam é que, apesar de robusto, o pacote ainda não é estrutural o suficiente para promover a reforma necessária.

    Ao olhar para reformas anteriores — como a PEC do Teto de Gastos e a Reforma da Previdência —, Cristiano Noronha, cientista político da Arko Advice, disse ao WW que as novas medidas devem ficar bem abaixo nesse quesito.

    “Acredito que [o pacote] vai ser robusto a ponto de não deixar o ministro [da Fazenda, Fernando Haddad] ‘na chuva’”, avaliou Noronha.

    No caso, uma reforma estrutural seria aquela capaz de estabilizar o rumo da dívida pública, um problema que acompanha as contas do Executivo há anos.

    Pressões

    A pressão dos agentes econômicos sobre as contas públicas voltou a se intensificar em abril com a mudança da meta fiscal para 2025.

    À medida que as despesas e uso de mecanismos parafiscais crescia, a cobrança aumentou em agosto, quando Haddad e Tebet passaram a sinalizar que apresentariam um projeto para dar sustentabilidade ao arcabouço fiscal.

    Na época, Tebet disse que Haddad teria planos de “A a Z” para endereçar o assunto e que seriam apresentados em momentos oportunos.

    Naquele mês, a equipe econômica chegou a apresentar um projeto de revisão de gastos para 2025, que mira especialmente a Previdência Social, Bolsa Família e remanejamentos orçamentários em ministérios, cuja expectativa de retorno é de R$ 25,9 bilhões.

    Mas a avaliação é de que a medida tem caráter mais administrativo e regulatório do que estrutural em si a ponto de dar a sustentabilidade necessária ao arcabouço.

    O que se argumenta é que gastos, como os ligados a benefícios sociais, saúde e educação, estão crescendo em um ritmo maior do que o permitido pelo arcabouço para os gastos no geral, de modo que em algum momento não haverá mais espaço no orçamento para as despesas discricionárias — os investimentos do governo.

    A nova regra de gastos públicos, aprovada em 2023, deu fim ao teto de gastos. A partir de então, as despesas do governo podem crescer entre 0,6% – em períodos de retração – e 2,5% – em momentos de expansão – acima da receita do ano anterior e com valores corrigidos pela inflação.

    Dentro da banda, os gastos poderão crescer até 70% da variação da receita do ano anterior.

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