A ex-deputada federal Manuela d’Ávila cobra mais de R$ 1,5 milhão do PSD de Belo Horizonte na Justiça de Minas Gerais por serviços digitais prestados à campanha de Alexandre Kalil, ex-prefeito da capital mineira, ao governo do estado, em 2022.
Manuela d’Ávila fundou em 2019 uma empresa de consultoria em comunicação após ter desistido de concorrer a cargos eletivos.
A ação, ajuizada pela D’Ávila e Schaidhauer, nome da empresa da ex-parlamentar, em fevereiro deste ano, requer do PSD o pagamento de R$ 1.590.373,85.
O valor acertado inicialmente pelos serviços era de R$ 1.000.000,00, a ser quitado em duas parcelas — a primeira, de R$ 600.000,00, em 20 de agosto de 2022, e a segunda, de R$ 400.000,00, até o quinto dia útil de setembro daquele ano.
O contrato firmado entre as partes, ao qual a CNN teve acesso, estabelecia que, em caso de inadimplência ou atraso no pagamento estipulado, haveria uma multa mensal correspondente a 2% do valor mensal do contrato, acrescida de 1% de juros e correção monetária — razão pela qual a cobrança ultrapassa R$ 1,5 milhão.
A vigência do contrato foi acordada entre os dias 15 de agosto, início da campanha eleitoral, e 31 de outubro, data do segundo turno das eleições.
Além da assinatura de Manuela d’Ávila no documento, consta também a rubrica do então presidente do PSD na capital mineira, Adalclever Ribeiro Lopes, ex-deputado estadual e hoje um dos coordenadores da campanha do apresentador Mauro Tramonte (Republicanos) à Prefeitura de Belo Horizonte.
Veja o contrato:
Valor não foi declarado à Justiça Eleitoral
O contrato previa a “prestação de serviços relacionados à coordenação de equipe de redes sociais e comunicação, consistente no desenvolvimento de estratégia de redes e comunicação nas redes sociais” de Kalil.
Embora o contrato indicasse que os serviços seriam prestados à campanha de Kalil, o valor não foi declarado à Justiça Eleitoral na prestação de contas do então candidato. Em vez disso, Kalil declarou gastos de R$ 1.530.000,00 com a empresa de d’Ávila relativos a outro contrato, firmado diretamente por sua campanha com a empresa da ex-deputada.
Em uma busca ao sistema da Justiça Eleitoral, a CNN localizou apenas um contrato com a empresa de Manuela d’Ávila na prestação de contas da campanha de Kalil.
O documento era firmado pelo CNPJ da campanha do candidato a governador com a D’Ávila & Schaidhauer Consultoria em Comunicação LTDA.
Nele, constam quatro notas fiscais com os seguintes pagamentos:
- 1º R$ 612 mil
- 2º R$ 535 mil
- 3º R$ 1.000
- 4º R$ 382 mil
São esses os pagamentos que totalizam R$ 1.530.000, descritos na página de Kalil no DivulgaCandContas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Veja o contrato que consta na Justiça Eleitoral:
O contrato firmado pelo diretório municipal do PSD de Belo Horizonte com a empresa de Manuela ‘Ávila, por sua vez, não está na relação de documentos da prestação de contas à Justiça Eleitoral.
A CNN encontrou em contato com o Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) que confirmou que os dados de prestação de contas são os mesmos verificados pela CNN no site da Justiça Eleitoral.
Especialista aponta indícios de caixa dois
Na avaliação de Acacio Miranda, doutor em Direito Constitucional pelo IDP-DF, o fato de o contrato não ter sido declarado na prestação de contas de Kalil em 2022 sugere indícios de crime de caixa dois — quando há sonegação ou falsificação de informações para ocultar recursos recebidos.
“A prestação de contas tem duas finalidade: a primeira é comprovar que os valores legais foram observados. Então, para cada eleição há um limite de gastos exatamente por isso. Esse limite é calculado de acordo com a segunda finalidade, que é manter a lisura do processo eleitoral”, explica Miranda.
“Para que não haja abuso econômico, você controla essa lisura a partir dos gastos da campanha eleitoral. Em casos de gastos além do previsto, uma coisa é natural: o candidato teve mais recursos. E isso se pune através do caixa dois.”
O que diz o Código Eleitoral?
Segundo a legislação eleitoral, gastar recursos além dos limites estabelecidos sujeita os responsáveis ao pagamento de multa no valor equivalente a 100% da quantia que exceder o limite estabelecido.
O infrator também pode responder por abuso do poder econômico, conforme previsto no artigo 22 da Lei Complementar n.º 64/1990 (Lei de Inelegibilidade), sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
O artigo 350 do Código Eleitoral, que dispõe do crime de caixa dois, prevê pena de “reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular”.
Além disso, “se o agente da falsidade documental é funcionário público e comete o crime prevalecendo-se do cargo ou se a falsificação ou alteração é de assentamentos de registro civil, a pena é agravada”.
Procurado pela CNN, o advogado de Manuela d’Ávila, Lucas Lazari, afirmou que “a empresa só se manifestará nos autos. Ademais, restringe-se a aguardar os desdobramentos judiciais inerentes ao processo”.
A reportagem entrou em contato com Kalil, Adalclever Lopes e o PSD e aguarda posicionamento.
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