As ameaças à saúde causadas pelas mudanças climáticas atingiram níveis recordes. Globalmente, em 2023, as mortes relacionadas ao calor extremo entre pessoas com mais de 65 anos aumentaram 167% em comparação aos óbitos de 1990. O dado é de relatório divulgado na última terça-feira (29) pela renomada revista científica The Lancet.
O relatório “The Lancet Countdown sobre Saúde e Mudanças Climáticas” foi produzido em colaboração com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e contou com 122 especialistas líderes de 57 instituições acadêmicas e agências da Organização das Nações Unidas (ONU). O documento foi publicado antes da 29ª Conferência das Partes da ONU (COP) e fornece a avaliação mais atualizada das ligações entre saúde e mudanças climáticas.
As mortes relacionadas ao calor em pessoas com mais de 65 anos estão substancialmente acima das expectativas, de acordo com o relatório. Era esperado que, entre 1990 e 2023, houvesse um aumento de 65% nos óbitos caso as temperaturas não tivessem mudado — ou seja, contabilizando apenas as mudanças demográficas.
Do ponto de vista do documento, isso agrava as desigualdades existentes, com o número de dias de calor extremo sendo maior em países com baixo índice de desenvolvimento humano.
“O balanço deste ano das ameaças iminentes à saúde causadas pela inação climática revela as descobertas mais preocupantes até agora em nossos oito anos de monitoramento”, alertou Marina Romanello, Diretora Executiva do Lancet Countdown na University College London, em Londres, em comunicado à imprensa.
“Mais uma vez, o ano passado quebrou recordes de mudanças climáticas — com ondas de calor extremas, eventos climáticos mortais e incêndios florestais devastadores afetando pessoas em todo o mundo. Nenhum indivíduo ou economia no planeta está imune às ameaças à saúde causadas pelas mudanças climáticas. A expansão implacável de combustíveis fósseis e as emissões recordes de gases de efeito estufa agravam esses impactos perigosos à saúde e ameaçam reverter o progresso limitado feito até agora e colocar um futuro saudável ainda mais fora de alcance.”
Globalmente, pessoas foram expostas a 1.512 horas a mais de altas temperaturas
O relatório também mostrou que, em 2023, a população global foi exposta a, em média, uma alta histórica de 1.512 horas de altas temperaturas, representando um risco moderado de estresse por calor (ou estresse térmico) ao realizar exercícios ao ar livre, como caminhar, andar de bicicleta — um aumento de 27,7% (328 horas) na média anual de 1990-1999.
Segundo o levantamento, o aumento das temperaturas também levou a um recorde de 512 bilhões de horas potenciais de trabalho perdidas globalmente em 2023 (um aumento de 49% acima da média de 1990-1999), com perdas globais potenciais de renda equivalentes a US$ 835 bilhões (cerca de R$ 4,8 trilhões) — equivalente a uma proporção substancial do PIB em países de baixa (7,6%) e média renda (4,4%).
Aumento dos eventos climáticos extremos e doenças relacionadas
Em relação aos eventos climáticos extremos, o relatório mostrou que, na última década (2014-2023), 61% da área terrestre global viu um aumento em eventos extremos de precipitação em comparação com a média de 1961-1990, aumentando o risco de inundações, doenças infecciosas e contaminação da água.
Ondas de calor e secas também se tornaram mais frequentes e foram responsáveis por 151 milhões de pessoas a mais sofrendo de insegurança alimentar moderada a grave em 124 países em 2022, comparando com os números anuais entre 1981 e 2010.
Diante das mudanças climáticas, a disseminação de doenças infecciosas potencialmente mortais também cresceu. De acordo com o relatório, o risco de transmissão de dengue por mosquitos Aedes albopictus aumentou em 46% e Aedes aegypti em 11% na última década (2014-2023) em comparação com 1951-1960. Em 2023, houve um recorde de mais de 5 milhões de casos de dengue em mais de 80 países e territórios.
“Pessoas em todas as partes do mundo estão sofrendo cada vez mais com os efeitos financeiros e de saúde das mudanças climáticas, e comunidades desfavorecidas em nações com recursos limitados são frequentemente as mais afetadas, mas recebem as menores proteções financeiras e tecnológicas”, diz Wenjia Cai, professor e copresidente da Lancet Countdown Working Group 4 na Universidade Tsinghua, na China.
“A adaptação não está conseguindo acompanhar o ritmo das crescentes ameaças à saúde causadas pelas mudanças climáticas e, com os limites da adaptação se aproximando e a cobertura universal de saúde ainda sendo um sonho para mais da metade da população mundial, é necessário apoio financeiro urgente para fortalecer os sistemas de saúde e proteger melhor as pessoas”, completa.
Mortes relacionadas à poluição do ar diminuíram
Apesar do recorde nos riscos à saúde relacionados às mudanças climáticas apresentadas pelo relatório, as mortes causadas por poluição do ar derivada de combustíveis fósseis caíram quase 7%: de 2,25 milhões em 2016 para 2,09 milhões em 2021.
Segundo o relatório, 59% desse declínio é decorrente dos esforços para reduzir a poluição de queima de carvão, demonstrando o potencial benéfico à saúde da eliminação gradual do carvão.
Além disso, a parcela de eletricidade gerada por energias renováveis modernas e limpas quase dobrou em 2021, atingindo 10,5%, em comparação com 5,5% de 2016.
“O progresso em direção a um futuro equitativo e saudável requer uma transformação global dos sistemas financeiros, transferindo recursos da economia baseada em combustíveis fósseis para um futuro de zero emissões”, disse o coautor Anthony Costello, copresidente do Lancet Countdown.
“Para uma reforma bem-sucedida, a saúde das pessoas deve ser colocada em primeiro plano na política de mudança climática para garantir que os mecanismos de financiamento protejam o bem-estar, reduzam as desigualdades em saúde e maximizem os ganhos em saúde, especialmente para os países e comunidades que mais precisam.”
Na visão dos autores, as descobertas apontadas pelo relatório devem forçar uma transformação global dos sistemas financeiros centrada na saúde, transferindo recursos da economia baseada em combustíveis fósseis para um futuro de zero emissões. Isso poderá proporcionar benefícios à saúde e à economia por meio de melhor acesso e segurança energética, ar e água mais limpos, dietas e estilos de vida mais saudáveis e oportunidades de emprego mais sustentáveis.
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