O decreto presidencial que obriga a cessão onerosa dos postes e prevê a criação de uma nova empresa para administrar essa infraestrutura acentuou o impasse entre as distribuidoras de energia elétrica e as provedoras de internet.
Há anos, as empresas dos dois setores discutem as responsabilidades pelo compartilhamento dos postes, bem como a divisão dos custos – que pode aumentar com a chegada de uma nova parte nessa história.
Em junho, foi publicado o decreto 12.068, que trata da prorrogação das concessões de distribuição de energia elétrica.
Por pressão do setor de telecomunicações, o texto recebeu um artigo específico afirmando que as empresas de energia devem ceder espaço nos postes a uma pessoa jurídica distinta, que ganhou o nome de “posteiro” e entrou no foco das divergências.
O posteiro será responsável por administrar o compartilhamento dos pontos de fixação das redes nos postes.
A remuneração dessa nova entidade jurídica será baseada nos custos da operação, seguindo uma resolução conjunta em preparação pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Na regra atual, os postes estão sob posse das distribuidoras de energia, que têm o dever legal de cessão dos espaços para as provedores de internet passarem os seus cabos. Mas os termos de uso, a remuneração e a fiscalização sempre foram um problema.
O governo federal estima que há cerca de 10 milhões de postes em situação crítica, com fios emaranhados, ocupação ilegal e riscos à segurança.
Judicialização e conta mais alta
As empresas de energia criticaram o decreto, pois são contra a cessão obrigatória dos postes.
“A cessão dessa infraestrutura deveria ter um caráter facultativo à concessionária, não podendo ser uma obrigação definida em decreto”, declarou a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee).
Em entrevista, o presidente da Abradee, Marcos Madureira, classificou a medida como “totalmente estranha” ao objeto do decreto, cujo foco é a prorrogação de contratos das distribuidoras com vencimento entre 2025 e 2031.
Segundo Madureira, um dos problemas do posteiro é o possível impacto tarifário. As distribuidoras de energia elétrica recebem, anualmente, cerca de R$ 2 bilhões pelo uso dos postes, dos quais 60% contribuem para modicidade tarifária.
Os outros 40% são destinados a tributos e custos operacionais. “Vai ter, seguramente, uma redução ou talvez até eliminação dessa receita”, afirma.
Ele pondera que o tema deve ser objeto de regulação na Anatel e na Aneel, onde já vinha sendo discutido, mas sem esta determinação do governo federal. Ainda assim, a proposta não resolve o embate a respeito dos postes, na sua avaliação.
“Nada disso resolve o problema do passado. Não tem nada que esclareça, inclusive, como é que vai resolver esse problema que está instalado aí na rede”, afirma o presidente da Abradee citando a ocupação desordenada dos postes.
Para o diretor de Regulação e Inovação da Conexis (sindicato das grandes teles), Fernando Soares, o posteiro será uma solução viável desde que não implique em custos adicionais, mas se mostra cético sobre a viabilidade dessa medida.
“É de se imaginar que o posteiro, como entidade jurídica, queira receber uma taxa de retorno. Ele não vai trabalhar de graça, né. Esse é o nosso temor”, diz.
Soares observa ainda que o decreto não deixou claro se essa empresa poderá ser do mesmo grupo econômico das distribuidoras de energia – o que poderia gerar algum potencial conflito de interesse, na sua visão.
Caso haja algum aumento de custos, a tendência é de redução da capacidade de investimentos das teles, avalia. “O que pode acontecer é o setor ter menos recursos para fazer os investimentos necessários para a expansão da rede de telecomunicações.”
Já o presidente da Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint), Mauricélio Oliveira Junior, avalia que a medida embutida no decreto presidencial foi acertada.
A própria Abrint sugeriu em consulta pública a criação do posteiro, embora com outro modelo de governança.
Segundo ele, a principal vantagem dessa medida é criar uma figura “neutra” na mediação das operações entre as empresas de energia e as operadoras de internet.
“Ao trazer um novo ente, é possível chegar a soluções inovadoras para o compartilhamento, incentivando a regularização e o ordenamento”, avalia.
O presidente da Abrint pondera que, para esse modelo funcionar, é preciso ter um controle regulatório dos preços cobrados dos provedores pelo uso dos posteis.
“As agências reguladoras já se posicionaram a favor da fixação dos valores que devem ser repassados às distribuidoras de energia elétrica. É essencial que esse mesmo modelo de custos seja adotado para definir a remuneração máxima dos posteiros”, argumenta.
Próximos passos
O decreto foi publicado no último dia 20 de junho. A partir daí, a Aneel tem 120 dias para discutir, aprovar e divulgar a minuta do termo aditivo da prorrogação das concessões de distribuição.
Questionada se tratará do tema no âmbito de um processo específico, que já estava em andamento na autarquia federal, a agência reguladora de energia elétrica afirma que ainda está avaliando o impacto das disposições do texto na regulamentação.
Na Anatel, o conselho diretor aprovou em outubro no ano passado um regulamento sobre compartilhamento de postes. Falta avançar, no entanto, a metodologia para precificação dos pontos de fixação.
“No momento, a Anatel aguarda deliberação da Aneel”, informa a agência de telecomunicações em nota.
Para o advogado Caio José de Oliveira Alves, coordenador da equipe de Energia do Rolim, Viotti, Goulart Cardoso, é provável que o assunto demande uma revisão por parte da Anatel e uma “reflexão adicional” da Aneel antes de votar uma regulação para o tema. Ele vê risco de judicialização por parte das distribuidoras.
“Esse endereçamento da cessão obrigatória é arriscado e eu diria que pode gerar um embate jurídico de ordem de indenização para as distribuidoras”, aponta o advogado.
Ainda assim, ele entende que o decreto “endereça bem” o tema diante da dificuldade de as empresas por si só darem um desfecho ao problema.
Governo defende iniciativa
O Ministério de Minas e Energia afirma que “fomentar a concorrência da exploração comercial do espaço de infraestrutura trará maior eficiência na alocação de custos, gerando benefícios aos consumidores”.
De modo que a pasta aponta que “a cessão da exploração dos espaços em infraestrutura dos postes não impactará negativamente a tarifa de energia, podendo esta ser reduzida ou até mesmo mantida, caso seus custos já estejam otimizados”.
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